Alteração na lei de falências pode causar instabilidade no sistema jurídico

A Lei de Recuperação de Empresas e Falências (LRF), de número 11.101/2005, alterou, significativamente, o regime jurídico de reestruturação de empresas e falências no Brasil. São os inúmeros desafios de aplicação da LRF, que ainda precisa de mudanças. Nesse cenário, há inúmeras discussões sobre os possíveis aperfeiçoamentos, que acabaram no envio de projeto de lei pelo poder Executivo ao Congresso Nacional (PL 10.220/2018) e suscitando debates entre o meio jurídico.

Entre as alterações, um destaque é a proposta de inclusão do art. 6°-A, que determina a vedação à distribuição de lucros ou dividendos por pessoa jurídica em recuperação judicial. O PL 10.220 não esclarece se isso estaria restrito à distribuição de lucros ou dividendos ou se estenderia a demais formas de entrega de valor. Conforme se observa no art. 109 da Lei n° 6.404/1976, conhecida como Lei das Sociedades por Ações - LSA, a participação nos lucros sociais é direito fundamental do acionista, não podendo ser suprimido nem por estatuto social ou assembleia geral.

Mas afinal, você sabe o que é dividendo? É a parcela de lucro líquido, apurado em um exercício social, que deverá ser distribuído aos acionistas pela companhia. Para que haja a distribuição de dividendos, deve existir uma reserva de lucros: a exceção ocorre em casos de dividendos devidos a ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo, em que seu pagamento é admitido quando o lucro do exercício social for insuficiente.

O dividendo obrigatório já é aquele que se refere à parcela mínima do lucro líquido previsto no estatuto social (ou, se inexistente, a parcela estabelecida na LSA) e que deve ser dividido entre os acionistas em cada exercício social. É de natureza obrigatória; porém, se em determinado exercício social a distribuição do dividendo for incompatível com a situação financeira da empresa, a administração deverá informar essa condição em assembleia geral ordinária.

O dividendo fixo é o que garante a titulares de ações preferenciais a participação no lucro até o montante pré-determinado em estatuto, priorizando dividendos devidos a ações ordinárias. Já o mínimo é o que confere a titulares de ações preferenciais a prioridade no recebimento do montante definido, sem prejuízo de poderem participar de lucro remanescente verificado após o pagamento aos dividendos prioritários.

Em um contexto de recuperação judicial, as finanças da empresa não devem comportar a distribuição de dividendo obrigatório. A LSA regula a questão e dispõe acerca do curso de ação a ser adotado por administradores e acionistas, não parecendo necessário qualquer modificação legislativa, seja da LRF ou da própria LSA.

A situação financeira da companhia, diferente do que se constata em relação ao dividendo obrigatório, não poderia justificar o não pagamento de dividendos fixos ou mínimos. No artigo 203 da LSA, há o entendimento que o direito dos acionistas de receber dividendos fixos ou mínimos não será prejudicado caso o dividendo não seja obrigatório por ser incompatível com a situação financeira da empresa.  Esse entendimento está amparado tanto na doutrina especializada, quanto nos Pareceres CVM/SJU/nº 82, de 18.11.1982, e CVM/SJU/nº 067, de 06.10.1992.

Desse modo, incluir o art. 6°-A na LRF muda as regras sobre os dividendos prioritários sem que sejam realizadas as adequações necessárias na LSA. Ainda não é possível identificar os eventuais impactos de tal vedação consolidada, na prática, em relação à emissão de ações preferenciais com dividendos prioritários para compor interesse de acionistas ou, ainda, como fonte alternativa de captação de recursos a custos mais reduzidos quando comparados a outras modalidades no mercado.