No mês de abril, a Presidência da República expediu a MP 881, que estabelece a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. O objetivo da medida é reduzir a participação estatal nas atividades econômicas por meio da regulação de várias garantias do livre mercado. O texto se baseia, assim, em princípios que visam modernizar a economia e aumentar o número de empreendimentos.
A norma é programática e deve ser regulamentada, além de representar o desejo do Governo Federal em estimular os agentes econômicos estrangeiros e nacionais para exercerem atividades no país, a fim de dinamizar a competitividade internacional. A meta é justamente combater a estagnação econômica e o elevado índice de desemprego que vêm caracterizando o Brasil nos últimos anos. Essa motivação legal é dirigida aos aplicadores da lei, principalmente aos juízes, legisladores e agentes administrativos. Tudo o que é alcançado pela medida deve ter interpretação legal determinada.
Existe, entretanto, um aspecto flexível na lei que aproxima o texto às cláusulas abertas: é o art. 2°, que determina a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas, a presunção de boa-fé do particular e a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre essas atividades. Tratam-se de verdadeiras regras de conduta aos agentes públicos e interpretativas a serem seguidas pelos magistrados. É inviável, portanto, que a Administração julgue sistematicamente pela má-fé o Administrado - prática que se estende desde o período colonial. Interpretar consiste em atualizar a compreensão das normas para o presente, renovando-as.
As disposições do texto se aproximam ao que a doutrina chama de interpretação autêntica, ou seja, os aplicadores devem sustentar positivamente seus princípios de programa. São normas interpretativas expostas pelo próprio legislador: a finalidade legal principal é aprimorar e sustentar a vontade contratual das partes, com mínima interferência estatal. O novo texto altera significativamente a extensão e compreensão da caracterização da desconsideração da pessoa jurídica, o que provavelmente complexifica a tarefa do juiz, mas reflete decisões mais justas. Se a pessoa jurídica cometer fraude para lesar terceiros, será desconsiderada, ou seja, o patrimônio dos sócios ou de terceiros que tenham se beneficiado da ação sofrerá consequências.
A teoria da desconsideração permite ao juiz, quando há desvio de finalidade, a não considerar os efeitos da personificação, de forma que são atingidos os bens particulares dos sócios ou de outras pessoas jurídicas que facilitaram a fraude. Outro ponto importante da MP 881 foi o acréscimo ao art. 421 do Código Civil, determinando a observação da presente lei à função social do contrato. Assim, a liberdade de contratar será exercida nos limites e razões da função social do contrato.
No meio jurídico, a questão foi alvo de discussão sobre o seu alcance. O texto sinaliza uma das normas abertas ou genéricas, a ser preenchida pelo julgador no caso concreto. O posicionamento sempre foi de que não cabe destacar o que significa a função social do contrato e o que a viola. Importa, na verdade, verificar no caso concreto se o contrato em si ou suas cláusulas transgridem uma função social. O fato de essa nova lei estabelecer que,na avaliação da função social do contrato, se levará em consideração seus princípios, acrescenta um plus na avaliação do julgador e das próprias partes para definir a eventual invalidade.
Outra modificação importante da MPP 811 se refere à redação do art. 423 do Código Civil: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas que gerem dúvida quanto à sua interpretação, será adotada a mais favorável ao aderente. Parágrafo único. Nos contratos não atingidos pelo disposto no caput, exceto se houver disposição específica em lei, a dúvida na interpretação beneficia a parte que não redigiu a cláusula controversa.” Dessa forma, quem redigir o contrato precisa ser o mais claro possível e, se não for, terá contra si a interpretação mais favorável a outra parte.
A lei também adiciona dois novos artigos ao Código Civil que dizem respeito às relações entre empresas. No entanto, são herméticos e de difícil compreensão e devem ser analisados conjuntamente. “Art. 480-A. Nas relações interempresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual”. “Art. 480-B. Nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles definida”. Questiona-se, então, quais seriam os parâmetros objetivos da interpretação: estudos efetuados por empresas especializadas? Tabelas oficiais de preço? A simetria é fundamental em todos os contratos, sejam ou não empresariais. Não podem os direitos onerar somente uma das partes, pois é necessário garantir o equilíbrio do contrato.
A finalidade da medida provisória ainda tem muitos obstáculos para superar, tanto pelo Poder Executivo como pelos aplicadores da legislação. Há muito debate sobre como o direito público e o privado são afetados com a nova lei. Vamos acompanhar as consequências e sua aplicação, não deixe de nos acompanhar!