Em todo o país, para controlar a disseminação da Covid-19, foram adotadas medidas de isolamento social que incluíram a restrição de determinadas atividades econômicas “não essenciais”. É claro que os contratos também foram afetados com a recessão.
Neste contexto, várias ações judiciais foram propostas para mitigar os impactos financeiros, destacando-se as relações contratuais de locações comerciais. O Poder Judiciário já emitiu decisões favoráveis e contrárias quanto à redução ou suspensão dos aluguéis. A questão é complexa. Há, no entanto, uma tendência de considerar o locatário hipossuficiente, buscando a proteção deste em detrimento do locador. Esse posicionamento não engloba, necessariamente, a melhor técnica jurídica.
O princípio da segurança jurídica é a base do Estado Democrático de Direito e visa facilitar a coordenação das interações humanas, reduzindo riscos e incertezas acerca das interações já consumadas juridicamente. Assim, fundamenta-se na previsibilidade das situações que decorrem da relação contratual estabelecida, determinando-se situações em que o contrato pode ou não ser revisto. Dessa forma, as pessoas podem se planejar e firmar relações jurídicas eficazes. Com a atual situação da pandemia, os poderes devem pautar sua atuação a partir desse princípio, sem criar precedentes de decisões casuísticas sob a ideia de justiça social. Isso porque se devem evitar efeitos nocivos à segurança do contrato.
Sem dúvidas, é necessário que haja um equilíbrio entre a autonomia da vontade e a função social do contrato. Contudo, é preciso ter cuidado para não atrelar a função social do contrato ao princípio de justiça social, que reflete uma concepção subjetiva do respectivo aplicador da lei. As restrições impostas pelo poder público para controlar a pandemia podem ser consideradas um evento de caso fortuito ou força maior, mas é preciso lembrar que o dispositivo legal menciona que o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior. Assim, não há disposição que faculte ao devedor revisar ou extinguir a obrigação em si.
As decisões favoráveis ao locatário se baseiam, na maioria dos casos, na teoria da onerosidade excessiva e da imprevisão, estabelecidas em parte no artigo 317 do Código Civil. A leitura do artigo evidencia que a disposição não se aplica à revisão de aluguéis por força de eventual onerosidade excessiva destes, mas sim de eventual alteração no valor que seja desproporcional ao que era originalmente acordado entre as partes. No artigo 480 do Código Civil, é expressivo que uma parte contratante poderá pleitear a redução da prestação devida ou o modo de sua execução para evitar onerosidade excessiva. Esse artigo se refere aos contratos unilaterais, que não é o caso de um contrato bilateral como o de locação.
Conclui-se, portanto, que o locatário, em função da imprevisibilidade que tenha tornado excessivamente oneroso o alulguel acordado, poderá pleitar a resolução da locação. O locador, por sua vez, teria a faculdade de propor uma revisão do aluguel para manter a vigência da locação ou aceitar a resolução do contrato. A situação exige análise cuidadosa e a melhor solução é a negociação entre as partes pautada no bom senso e boa-fé. A judicialização em excesso não é um caminho ideal e corre risco de causar prejuízo a todas as partes.