Garantir a perenidade e o legado de uma atividade corporativa vem se tornando tarefa cada vez mais desafiadora, especialmente em um mundo globalizado permeado de incertezas e mudanças constantes, de modo que a resiliência e a criatividade aliadas a um bom planejamento estratégico, com planos de contingência e gerenciamento de riscos, tornaram-se obrigatórios.
É nessa perspectiva que a sucessão empresarial obteve notório destaque, especialmente no cenário pós pandêmico onde a preocupação dos empresários em assegurar a continuidade saudável das atividades ficou ainda mais latente. O fato é que nenhuma empresa escapa deste momento, tendo este artigo a finalidade de nortear os gestores para que essa operação ocorra de forma segura.
Esclarecemos, portanto, que essa modalidade se caracteriza pelo procedimento em que ocorre a transferência da titularidade do poder de gestão, tanto de uma empresa para outra, quanto na estrutura jurídica dos sócios e/ou na formatação do regime societário, consistindo ainda em uma alternativa para aumentar o capital social, integrar um novo segmento de mercado prospectando novos clientes tornando a companhia mais forte perante os concorrentes e até mesmo para evitar a descontinuidade de sua atividade econômica.
A sucessão empresarial pode ocorrer por meio dos seguintes atos:
Transformação: Quando ocorre uma alteração do tipo do regime societário da empresa. Hipótese em que uma sociedade limitada admite a entrada de novos sócios, ou quando ocorre a modificação de uma LTDA para uma S.A, por exemplo.
Nos termos do artigo 221 da Lei de Sociedades por Ação, a transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou acionistas, salvo se prevista no estatuto ou no contrato social, caso em que o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade.
Incorporação: Uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, em que a empresa incorporada deixa de existir e a incorporadora assume a responsabilidade de todos os direitos e obrigações;
Fusão: Duas ou mais sociedades se unem e deixam de existir, formando uma nova empresa com personalidade jurídica distinta das anteriores e que responderá pelos diretos e obrigações de ambas.
Cisão: Essa modalidade é dividida em parcial (quando apenas uma fração do patrimônio é divido para uma ou mais sociedades) ou total (oportunidade em que o a integralidade do patrimônio é dividida para outras sociedades e a empresa deixa de existir).
Sucessão familiar: hipótese que se individualiza pela transição da gestão da empresa e do capital para algum herdeiro. Os motivos mais comuns que podem levar a essa decisão é a aposentadoria, falecimento ou o afastamento de um sócio.
Nestes casos, a depender da análise de alguns critérios recomenda-se a implementação de uma Holding Familiar para o gerenciamento do patrimônio. Destacamos ainda que embora as empresas familiares tenham vantagens tais como lealdade e confiança mutua, é necessário conseguir separar as questões emocionais na tomada das decisões. Aquisição de fundo de comércio: Ocorre quando é realizada a compra da integralidade de uma empresa, e com isso o negócio em si permanece inalterado de modo que todos os bens, as dívidas e a própria atividade comercial são transferidas ao comprador.
Com isso, o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, de forma que a empresa antecessora permanece solidariamente responsável pelo adimplemento das dívidas pelo prazo de um ano contados da data do vencimento, ou, da data da publicação da transferência da titularidade da empresa nos casos das dívidas já vencidas, conforme determina o artigo 1.146 do código civil. Além disso, não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência
Sucessão trabalhista: Objetivamente, essa modalidade nada mais é do que a consequência de um processo sucessório. Previsto no artigo 448 da consolidação das leis trabalhistas e que determina que a alteração na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
Dessa forma, a empresa sucessora ficará responsável por todas as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas anteriormente à sucessão podendo o trabalhador ingressar com reclamações judiciais tanto em desfavor da sociedade antiga quanto da sucessora.
Em linhas gerais, conforme previsto na Lei nº 6.404/1976, a qual dispõe sobre as Sociedades por Ações, a incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre sociedades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos sociais, além de serem submetidas à deliberação da assembleia-geral das companhias interessadas mediante justificação, de tal maneira que somente poderão ser efetivadas nas condições aprovadas se os peritos anuírem com os valores contábeis vinculados a operação de formação do capital social.
Além disso, a sucessão empresarial possui consequências vinculadas a responsabilidade tributária. Nos termos do artigo 133 do Código Tributário Nacional, a sucessora apenas responderá integralmente pelos débitos tributários até a data do ato quando a alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade.
Se a empresa alienante permanecer atuando no mesmo ramo ou caso inicie, dentro de seis meses a contar da data da alienação nova atividade, ainda que em outro ramo de comércio, indústria ou profissão, a sucessora responderá de forma subsidiaria, ou seja, será responsabilizada, se a alienante não conseguir arcar com a integralidade dos ônus tributários.
Neste sentido, antes de optar por algum dos procedimentos sucessórios, recomenda-se o direcionamento da atenção para dentro da empresa e a reflexão de onde se pretende chegar, avaliando o contexto da organização, suas necessidades, dificuldades e possibilidades.
A partir dessa ponderação, define-se a estratégia, seguido da regularização da documentação dos atos societários, o acordo de sócios e o regimento interno consistem em instrumentos eficazes a fim de dirimir eventuais conflitos e alinhar as expectativas das partes, especialmente porque a letra da lei deixa lacunas e muitas vezes não corresponde com a integralidade dos interesses envolvidos.
Salienta-se que eventual cláusula do acordo poderá ter sua nulidade decretada caso ofenda o ordenamento jurídico, o contrato ou estatuto social da organização e que nenhuma alteração poderá modificar ou prejudicar os direitos dos credores, que terão o prazo de até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão para promover judicialmente a anulação deles, nos termos do artigo 1.122 do código civil, de maneira que a consignação em pagamento prejudicará eventual anulação pleiteada.
Ademais, para que o sucedido saiba qual caminho deverá trilhar, é importante que os alicerces que garantem a sustentabilidade da empresa estejam bem definidos, proporcionando uma maior segurança na hipótese de eventualidades, de forma que é imperiosa a existência de prévia integração e capacitação do sucessor, sendo indispensável que este carregue consigo ética, capacidade de liderança, bom relacionamento interpessoal, espirito empreendedor e pensamento crítico, além, é claro, do domínio do conhecimento da estrutura organizacional do ramo em que a empresa atua.
Portanto, a tomada estratégica da decisão precisa ser assertiva, pautada nos pilares que compõe a efetiva governança corporativa, quais sejam, a transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade, da análise pormenorizada das potenciais empresas prospectadas e seu balanço patrimonial consolidado, assim como do efetivo cumprimento das leis que disciplinam sobre o assunto.
Por fim, considerando a complexidade da sucessão empresarial e que seus reflexos repousam na seara tributária, cível, administrativa e trabalhista, deve-se ter muita cautela antes de “bater o martelo” na nova forma de gerenciamento do negócio, para que a empresa possa seguir com seu legado de maneira segura, perene e próspera, com a manutenção de sua atividade por gerações e a consequente contribuição com o mercado brasileiro.
Fonte: Jornal Jurídico