De início, importante esclarecer o conceito de reestruturação societária: é qualquer alteração realizada por empresa ou grupo societário que resulte na alteração de sua natureza jurídica, de sua composição, de sua estrutura, entre outras.
A depender do objetivo que se pretende alcançar, esta remodelação pode ter diversos níveis de complexidade, podendo resumir-se a uma redução da quantidade de sócios ou abarcar uma fusão de grandes empresas. Mais do que um modo de auferir maiores lucros ou reduzir as responsabilidades da pessoa do sócio, observar-se que no Brasil a reformulação constante é obrigatória para a sobrevivência do empreendimento. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1 em 2019, portanto sem interferência dos efeitos avassaladores da pandemia, "a taxa de sobrevivência foi de 78,9% após um ano de funcionamento; 64,5% após dois anos; 55% após três anos; 47,2% após quatro anos; e 39,8% após cinco anos.".
Constata-se, assim, que seis em cada dez empresas que são abertas no Brasil não conseguem prosseguir com suas atividades por mais de 5 (cinco) anos e as explicações para isso são as mais diversas. Junto à falta de conhecimento do ramo, de planejamento financeiro, temos a necessária reestruturação da sociedade que na maioria das vezes não é realizada pelos gestores.
Ao mesmo tempo que é imperioso a elaboração de um robusto plano de negócio ao iniciar uma instituição empresarial, também é vital que esta mantenha fluidez nas suas estruturas jurídicas, métodos, sistemas, etc. Àquelas que permanecem rígidas tendem a não possuir fôlego para perdurar por mais tempo.
É fato conhecido a violenta burocracia imposta pela legislação brasileira aos empreendimentos, o que muitas vezes inviabiliza a manutenção do negócio. Dentro desse contexto, o empresário e/ou sócios devem ter a habilidade de se reinventar, de modo a regenerar criativamente a empresa dentro dos ditames legais, tornando-a financeiramente sustentável por um maior período de tempo.
Ademais, no cenário atual, mostra-se ainda mais fundamental um olhar cuidadoso à proteção patrimonial tendo em vista a insegurança jurídica instaurada por múltiplas decisões judiciais divergentes. Conforme já fora citado anteriormente, há diversas formas de implementar estas transmutações e umas delas é a reestruturação societária que, ao contrário das demais, que têm como objetivo principal a preservação da empresa, esta visa proteger o investidor em caso de insucesso da empresa. Ou seja, caso o gestor não veja mais saída para aquela empresa, ele terá os seus bens pessoais protegidos se respeitadas determinadas regras.
A divisão do capital da empresa e de seus sócios é essencial para a propagação de empresas em qualquer lugar do mundo, porque quanto maior for a responsabilidade da pessoa física do sócio ou empresário, maior será sua cautela ao investir e realizar as respectivas transações empresariais. Isto porque ninguém quer ter o seu patrimônio pessoal, o qual garante o sustento de sua família, atingido por adversidades empresariais, o que pode ocorrer mesmo que sejam adotados todos os cuidados cabíveis.
Em paralelo, não se pode perder de vista a função social da empresa de gerar empregos, produzir e fazer circular bens, serviços e riquezas, entre outras, motivo pelo qual foi implementado há muito tempo atrás no ordenamento pátrio a personalidade jurídica própria da pessoa jurídica, a qual incentiva o empreendedorismo e impulsiona a economia nacional uma vez que o empresário, salvo exceções dispostas na legislação vigente por meio do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, tem a tranquilidade de que somente poderá ser atingido o patrimônio que este empregou naquela empresa em questão.
Logo, quanto mais cristalina for esta segregação, torna-se muito mais dificultoso o atingimento dos bens do empresário ou sócio. E há diversos modos lícitos de separar os patrimônios das empresas e de seus sócios, os quais devem ser alvo de análise por profissionais capacitados, de maneira a delinear a estrutura ideal para aquela conjuntura em específico, conforme veremos a seguir.
Os tipos de reestruturação societária previstos nos artigos 1.113 e seguintes do Código Civil de 2002 (CC02) são: transformação, incorporação, fusão e cisão das sociedades. Há ainda outros diplomas normativos que disciplinam a matéria, como a Lei 6.404/76, que devem ser interpretados em conjunto.
(i) Transformação: é a alteração do tipo societário de uma sociedade, ainda que não haja sua dissolução ou liquidação. A título exemplificativo, é quando uma sociedade limitada altera o seu regime jurídico para sociedade anônima. A partir desta operação, a relação jurídica entre os sócios da sociedade e entre esta e terceiros será igualmente modificada. Entretanto, deve-se ressaltar que as relações criadas com terceiros anteriormente à alteração do tipo societário permanecem intactas.
Na hipótese de inocorrência de liquidação ou dissolução, as operações desta sociedade que teve o seu tipo societário alterado continuam normalmente, inclusive com a conservação de direitos e obrigações prévias. Portanto, em suma, o que se tem é a mesma sociedade que veste uma nova roupagem jurídica, mais adequada ao que os sócios desta pretendem, especialmente no que tange ao limite de suas responsabilidades.
(ii) Incorporação: nesta hipótese há a extinção de uma empresa, que é absorvida na sua integralidade por outra. A sociedade incorporada sucede a incorporadora em todos os seus direitos e obrigações e, no campo prático, é muito utilizada quando há a aquisição de empresas pequenas por outras maiores, que tem a intenção precípua de expansão empresarial.
(iii) Fusão: ocorre quando há a aglutinação de duas ou mais empresas para formar uma única pessoa jurídica, extinguindo-se as anteriores. Esta nova sociedade sucede os direitos e obrigações daquelas que foram aglutinadas. Em geral, ocorre quando estas sociedades em separado tem o intuito de alcançar patamares mais altos, consolidando seus produtos no mercado e até mesmo ampliando o seu ramo de atuação.
(iv) Cisão: é quando há o desmembramento de uma sociedade em duas mais partes, formando ou não novas sociedades. Isto porque o patrimônio dividido pode ser destinado à uma empresa já existente, situação na qual não haverá a criação de uma nova pessoa jurídica e sim o aumento do capital social de uma já existente. Esse instituto é muito utilizado na prática como proteção patrimonial dado que, com o capital fragmentado entre mais empresas, caso uma venha a ter insucesso, o patrimônio das demais não poderá ser atingido.
(v) Holding: é criada uma terceira sociedade, a qual vai deter patrimônios e/ou participações em outras sociedades. Melhor dizendo, na prática, haverá uma pessoa jurídica entre a empresa operacional e as pessoas físicas (os sócios), o que afasta ainda mais os riscos do sócio de ter os seus bens particulares atingidos por questões empresariais.
A cisão pode ser parcial, hipótese na qual a sociedade cindida continua existindo, pois apenas parte do seu patrimônio empregado em outra empresa. De outro lado temos a cisão total, que ocorre quando a sociedade cindida é extinta, tendo todo o seu patrimônio distribuído para outras sociedades, sejam elas novas ou já existentes. Nota-se que há uma pulverização dos riscos e das responsabilidades.
Todos os institutos acima tratados são de extrema importância para a conservação de uma sociedade tendo em vista que, a depender do cenário jurídico-econômico, é interessante que os sócios estejam atentos para implementar as mudanças jurídicas que se tornem mais interessantes para aquela sociedade em específico.
Não há uma fórmula aplicável a todos os casos concretos e, por isso, é necessário a consulta de uma equipe multidisciplinar composta por advogados e contadores para analisar a melhor estrutura para tal empresa, com o objetivo principal de não somente reduzir custos, como também - e principalmente - diminuir os riscos e, por conseguinte, delimitar a responsabilidade dos sócios.
Fonte: Migalhas