A recuperação judicial é um nome que causa receio nos investidores e até mesmo no consumidor da marca que sofre esse tipo de ação. Mas afinal, o que é exatamente uma recuperação judicial?
O que acontece na vida da empresa, dos sócios e dos credores quando uma empresa está nessa situação? O processo permite mesmo retomar a normalidade da operação, ou é só uma forma de postergar dívidas que seriam executadas antecipadamente? Para esclarecer essas e outras dúvidas sobre o tema, continue a leitura a seguir.
O que é recuperação judicial?
A recuperação judicial (ou RJ, no jargão do mercado) nada mais é do que um procedimento que tem por objetivo evitar que a empresa quebre quando está em uma crise financeira. Além de socorrer os sócios, esse instrumento visa proteger também funcionários, fornecedores, prestadores de serviços, clientes e todos os que, de alguma forma, possuem algum vínculo com a organização.
Na prática, a RJ procura viabilizar um acordo entre a empresa devedora e todos os seus credores. Quando esse acordo é bem sucedido, os ganhos se estendem aos funcionários, que conseguem preservar os seus empregos, a fornecedores, bancos e prestadores de serviços, que não perdem uma parceria comercial, e ao governo, que mantém a sua receita com a arrecadação tributária.
Ao contrário do que ocorre em um processo de falência, o plano de RJ não visa afastar o empresário do negócio ou inabilitá-lo para a sua condução. Isso porque a ideia é justamente tornar a empresa novamente viável, para que a operação possa continuar tão ou mais sólida do que antes da crise.
Quem pode pedir recuperação judicial?
De acordo com a Lei 11.101/2005, posteriormente complementada pela Lei 14.112/2020, somente a empresa devedora pode pedir a recuperação judicial. Entre as pessoas físicas, somente o produtor rural que atua como pessoa física pode fazer a solicitação.
A legislação veda a RJ para as seguintes entidades:
– empresas públicas;
– sociedades de economia mista;
– instituições financeiras públicas ou privadas;
– entidades de previdência complementar;
– seguradoras;
– planos de saúde;
– cooperativas de crédito;
– consórcios;
– sociedades de capitalização e equiparadas.
Para que possa ser elegível à recuperação judicial, a empresa precisa atender aos seguintes critérios:
1 – Estar ativa e registrada na junta comercial por, pelo menos, dois anos.
2 – Não ter ingressado com outro processo de recuperação judicial nos últimos cinco anos.
3 – Não ter obtido concessão de plano especial de recuperação judicial nos últimos oito anos.
4 – Se já foi falida anteriormente, a falência decretada já deve ter sido declarada extinta, por sentença transitada em julgado. Ou seja, não pode haver nenhuma responsabilidade remanescente de processos anteriores de falência.
5 – Por fim, não pode ter sido condenada ou ter como sócio ou controlador pessoa condenada por qualquer crime previsto na lei falimentar.
Como funciona a recuperação judicial?
Satisfeitos os requisitos acima, a empresa deve elaborar um documento com o pedido de recuperação e apresentá-lo à Justiça. Esse documento deve conter, obrigatoriamente, os seguintes itens:
os motivos que levaram à crise financeira;
as demonstrações contábeis dos últimos três anos, pelo menos;
o detalhamento de todas as dívidas em aberto e
a relação patrimonial dos sócios.
A partir do momento em que o juiz aceita esse pedido, é estabelecido um prazo de 180 dias para a suspensão de suas obrigações de pagamento.
Nesse meio tempo, o juiz nomeia um administrador judicial, que será o seu auxiliar no processo de recuperação da empresa. Segundo a lei, esse profissional deve, preferencialmente, conhecer direito, administração de empresas, contabilidade ou economia, ou ser empresa especialista no tema.
O papel do administrador judicial é fundamental na RJ, pois ele deve, ao mesmo tempo, garantir os interesses dos credores e trabalhar pela preservação da empresa em reestruturação. Mesmo com a sua nomeação, os sócios podem continuar na gestão do negócio. Nesse sentido, eles serão supervisionados pelo administrador e deverão prestar contas periodicamente de seus atos.
Passados 60 dias do início do processo, a empresa deve apresentar um plano detalhado, com uma proposta de pagamento das dívidas e tudo o que ela pretende fazer para realizá-lo. Esse documento também precisa conter a avaliação atualizada de todos os ativos da organização.
A empresa e os credores são livres para negociar entre si os termos deste plano, de forma a chegar em um fluxo financeiro favorável para todas as partes. Além de redução da dívida, carência e maior prazo para pagamento, esse plano costuma conter propostas como fusão ou divisão da empresa, inclusão de credores no quadro societário e negociações com sindicatos para redução de jornada e salários dos funcionários.
Depois de elaborado o plano, ainda é necessária a sua aprovação pela maioria simples dos credores (50% mais um) para que a RJ possa ser concedida à empresa. Se a proposta da empresa for rejeitada, os credores poderão apresentar uma nova em até 30 dias, que também deverá ser submetida à aprovação em assembleia.
Com a aprovação, começa a fase de execução propriamente dita do processo. Essa etapa é importantíssima, pois a empresa não pode descumprir nenhuma determinação do plano aprovado. Se isso acontecer, a recuperação judicial pode ser convertida em falência.
Se tudo sair conforme esperado, a empresa consegue se reorganizar e seguir a vida, muitas vezes até de forma mais eficiente do que antes dos problemas financeiros.
Recuperação judicial é a mesma coisa que falência?
Não, pois a recuperação judicial existe justamente para impedir que a empresa venha à falência.
Se o plano de recuperação não for aprovado, ou se a empresa não conseguir cumprir as condições acordadas, o juiz decretará a sua falência. Nesse caso, deverá fechar as portas e vender os ativos para pagar as suas dívidas.
Como cobrar uma empresa em recuperação judicial?
Antes de mais nada, é preciso entender que, em um processo de recuperação judicial, existe uma ordem de prioridade na hora do recebimento da empresa devedora. De acordo com o art. 83 da Lei de Recuperação Judicial, essa ordem é a seguinte:
1०: créditos trabalhistas até 150 salários mínimos ou oriundos de acidentes de trabalho;
2०: créditos com garantia real (como imóveis, por exemplo);
3०: créditos tributários, exceto os extraconcursais (contraídos pela empresa durante a RJ) e as multas tributárias e
4०: demais créditos.
Observe que a ordem de recebimento prevista pela legislação prioriza os empregados, os credores que possuem alguma garantia real e o fisco. Por outro lado, fornecedores, instituições financeiras e demais credores que operam com a empresa somente com aval ficam nas últimas posições da fila.
Para que um credor possa cobrar uma empresa que está nesse processo, é preciso que ele se certifique de que o seu crédito consta no plano de recuperação judicial aprovado, e se o valor está correto. Se o valor não constar no documento, ou se houver alguma divergência, será necessário procurar o administrador judicial e solicitar a inclusão ou a referida correção.
Fonte: InfoMoney