Valuation: 5 erros bobos e muito comuns que você não pode cometer ou aceitar

Confira 5 erros comuns relacionados ao Valuation e que precisam ser evitados!

1. Utilizar como taxa livre de risco a taxa Selic (ou o CDI) atual

Quando avaliamos uma empresa, estimamos fluxos de caixa futuros e os trazemos a valores presentes com uma taxa de juros ajustada ao risco desses fluxos. Esta taxa ajustada ao risco parte da taxa livre de risco, que no Brasil é comumente associada à taxa Selic ou ao CDI (para fins práticos, essas taxas são muito similares no mercado). Imagine que estejamos construindo um valuation hoje. Atualmente, a taxa Selic (e o CDI) estão a 13,15% ao ano. Entretanto, essa taxa não é a adequada para o relatório. Isso porque ela reflete o patamar atual e não se adequa ao timing dos fluxos de caixa que serão trazidos a valores presentes.

Eu não quero entrar aqui em detalhes que fariam deste artigo muito longo e excessivamente técnico para os objetivos que tenho, mas preciso mencionar que o correto é utilizar uma expectativa futura média da taxa Selic para o timing dos fluxos de caixa avaliados. Por exemplo, para títulos de renda fixa, usamos o conceito de duration do título e deve-se então trabalhar com a expectativa da Selic para o mesmo prazo dado pela duration. No caso de empresas, que usualmente estimamos vida perpétua, é bastante comum se utilizar projeções da Selic no longo prazo, quando esta se estabiliza.

2. Ao avaliar ações pelo fluxo de caixa ao acionista, utilizar uma taxa de desconto tradicional

Ou seja, sem incorporar o fato de dividendos serem isentos de imposto de renda no Brasil. Se você está valorando uma empresa pelo método de Gordon, ou seja, projetando seus dividendos e considerando o fluxo de caixa ao acionista, a taxa de desconto deve considerar o benefício tributário dos dividendos, através do qual estes são isentos de IR no Brasil. Na prática e desprezando o efeito de alíquotas maiores no curto prazo, bastaria multiplicar a taxa de desconto por 0,85, ou seja, por um menos 15% da alíquota de IR.

Se a ideia ainda não está clara, imagine uma empresa fictícia totalmente livre de risco (apenas para facilitar o entendimento), de modo, portanto, que a taxa ajustada ao risco é a própria taxa livre de risco. Imagine que a Selic projetada de longo prazo esteja em 10% ao ano. Logo, a taxa adequada a ser utilizada é 8,5% ao ano, pois ao investir na Selic, você pagará 15% de IR, portanto o investimento livre de risco te pagará 8,5% ao ano livres de impostos. Como o fluxo de caixa considerado na avaliação da empresa se dará através de dividendos, estes serão isentos, de modo que a comparabilidade dos investimentos se dá a 8,5% e não a 10%.

Uma observação importante aqui é que algumas empresas distribuem lucros via JSCP (juros sobre o capital próprio) e estes são isentos no nível da companhia, mas pagam os mesmos 15% de IR no nível da pessoa física que os recebe. Nesse caso, o ideal é já trabalhar com o fluxo descontado desses 15% e fazer o ajuste da taxa conforme expliquei no parágrafo anterior.

3. Desconsiderar o capital de giro e suas especificidades

O capital de giro é parte fundamental de (virtualmente) todas as empresas. Ele representa o oxigênio fundamental para o dia a dia operacional. Desta forma, ele precisa ser considerado nos fluxos de caixa avaliados. E, o que é talvez mais importante: não apenas a necessidade inicial de capital de giro, mas igualmente a necessidade de aportes anuais ao capital de giro da companhia.

Essa necessidade anual pode se dar por diversas razões diferentes. Citarei três bastante comuns. A primeira delas aparece quando a empresa está em crescimento: com esta premissa, é muito provável que a necessidade de capital de giro aumente de modo consistente a suportar o crescimento da empresa e do seu fluxo de caixa. A segunda razão se explica pela inflação: com o tempo, o capital de giro da companhia perderá valor real, de modo que ele precisará ser aumentado para restabelecer seu poder de compra. A terceira razão que darei aqui também é muito comum: com o tempo, o capital de giro se deteriora por perdas materiais. Para citar apenas um exemplo ilustrativo, imagine que o capital de giro esteja intensamente investido em estoques: estes podem se quebrar, ser roubados, perder validade etc., o que demandaria reposição e, portanto, necessidade de aporte em capital de giro.

4. Desconsiderar necessidade de reinvestimentos

Esse quarto erro bobo, porém bastante frequente, é similar ao erro anterior, mas agora estamos falando não mais de capital de giro, mas de necessidades de reinvestimentos em geral. Quando uma empresa cresce, esta necessidade de reinvestimentos, via de regra, surge (apesar de, neste caso, em geral isso ser considerado em relatórios de avaliação). O que vejo muitas vezes esquecido em relatórios é a necessidade de reposições não programadas, porém bastante comuns.

Neste momento, o que me vem à cabeça para ilustrar didaticamente para vocês o que quero dizer é o caso de uma marca famosíssima de fast-food (que eu apostaria ser conhecida por você, amigo leitor e amiga leitora). Eu analisei o investimento em franquias dessa marca famosa para um cliente e simplesmente a marca projetava o fluxo de caixa ao franqueado pelo lucro anual através de uma DRE. A confusão entre lucro da DRE e fluxo de caixa livre ao acionista (nesse caso, o franqueado) é gritante e daria, por si só, um artigo por aqui. Mas um dos pontos óbvios não considerados pela DRE era exatamente a necessidade de reinvestimentos (além, claro, do erro 3 acima descrito). Citarei apenas dois extremamente óbvios: reposição de mesas e cadeias que, naturalmente, iriam se quebrar (isso acontece, mesmo que contra o nosso gosto!) e necessidade de revitalização da loja de tempos em tempos (a análise considerava a perpetuidade: como manter a mesma aparência física da loja para sempre???). A título de curiosidade: ao final da análise tecnicamente correta, a franquia que se parecia uma princesa, mais se pareceu um sapo e meu cliente desistiu do investimento.

5. Somar o caixa e todas s disponibilidades ao seu valor no final

Esse é um dos erros bobos mais clássicos porque, geralmente, os livros colocam isso como regra geral sem discutir profundamente o conceito. O conceito é simples: se uma empresa está sendo valorada e, por alguma razão, possui caixa (ou disponibilidades) livres ao acionista ou guardadas com o propósito de novos negócios não contabilizados no valuation, sim, você deve adicionar esse valor. Entretanto, na maioria das vezes, o caixa e as disponibilidades já estão sendo consideradas no fluxo de caixa projetado, de uma maneira ou de outra. Por exemplo, se o caixa serve como capital de giro, ele é importante para suportar as operações da companhia e, portanto, de maneira indireta, já estará sendo contabilizado no valuation: somá-lo ao final seria contar duas vezes o mesmo valor e, obviamente, um erro crasso.

Desta maneira amigo leitor e amiga leitora, o conceito é claro e até muito simples: todos os ativos de uma companhia, o que inclui caixa e disponibilidades, devem ser contabilizados no valuation uma única vez. Somar ao final qualquer caixa (e/ou disponibilidade) somente estará correto se este montante não estiver já sido contabilizado no fluxo avaliado. E lembre-se que essa contabilização muitas vezes se dá de maneira indireta e não explícita, mas fundamental para a continuidade das operações e geração do fluxo de caixa avaliado. Na maioria das vezes, pela experiência que tenho, caixa e disponibilidades se encaixam desta maneira, de modo que não podem ser somados ao final do valuation. 

Fonte: Carlos Heitor Campani